domingo, 18 de dezembro de 2011

Trilha sonora: Le tombeau de Couperin





Le Tombeau de Couperin is a suite for solo piano by Maurice Ravel, composed between 1914 and 1917, in six movements based on those of a traditional Baroque suite. Each movement is dedicated to the memory of a friend of the composer (or in one case, two brothers) who had died fighting in World War I. Ravel also produced an orchestral version of the work in 1919, although this omitted two of the original movements.
Tombeau in the title is a musical term popular from the 17th century meaning "a piece written as a memorial". The specific Couperin, among a family noted as musicians for about two centuries, that Ravel intended to evoke is thought to be François Couperin "the Great" (1668–1733). Ravel stated that his intention was to pay homage more generally to the sensibilities of the Baroque French keyboard suite not necessarily to imitate or pay tribute to Couperin himself in particular. This is reflected in the structure which imitates a Baroque dance suite.
As a preparatory exercise, Ravel had transcribed a forlane (an Italian folk dance) from the fourth suite of Couperin's Concerts royaux, and this piece invokes Ravel's Forlane structurally. The other movements are similarly based on Baroque forms, with the Toccata taking the form of a perpetuum mobile reminiscent of Alessandro Scarlatti. Ravel also revives Baroque practices through his distinctive use of ornamentation and modal harmony. Neoclassicism also shines through with Ravel's pointedly twentieth-century chromatic melody and piquant harmonies, particularly in the dissonant Forlane.
Written after the death of Ravel's mother in 1917 and of friends in the First World War, Le Tombeau de Couperin is a light-hearted, and sometimes reflective work rather than a sombre one which Ravel explained in response to criticism saying: "The dead are sad enough, in their eternal silence."
The first performance of the original piano version was given on 11 April 1919 by Marguerite Long, Joseph de Marliave's widow, in the Salle Gaveau in Paris.  (Wikipedia) https://en.wikipedia.org/wiki/Le_tombeau_de_Couperin


quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Professor Merval ensina a fazer o dever de casa


Indagado, na edição de anteontem à noite do Jornal das Dez, sobre a razão de os BRICs estarem, até certo ponto, conseguindo sobreviver à recessão mundial, o insigne Merval Pereira, mais novo usufrutário de um fardão da Academia Brasileira de Letras, respondeu: “Porque eles fizeram o dever de casa nas décadas de 1980 e 1990”.

Depois do “Maracanã em pó” (ver postagem anterior), uma aplicação localizada, temos aqui uma lição abrangente de capitalismo do desastre (ver Naomi Klein) ministrada pelo professor Merval: para poder  crescer, os países precisam, primeiro, se deixar devastar por políticas de ajuste estrutural de suas economias.

Para propiciar ao leitor  uma imagem do impacto do “dever de casa” do Professor Merval sobre a economia brasileira, eu apresento um gráfico com as taxas de crescimento do PIB brasileiro desde 1964. O dever de casa consistiu, como se vê, em aprender a escrever o “W”, que naquela época não fazia parte do nosso alfabeto.

Incluo, no gráfico, uma “linha de tendência” automática do Excel, que, a mim pelo menos, reforça a desagradável intuição de que o melhor que podemos esperar do alardeado avanço do Brasil ao status de potência econômica num mundo governado pelo capital financeiro é... uma economia cronicamente estagnada em taxas médias de menos de 3% muito antes de alcançarmos os retardatários do pelotão da frente!

Ao leitor interessado em se aprofundar no ensinamento do professor Merval e seus efeitos sobre a geografia humana mundial, eu recomendo enfaticamente a leitura de Planeta Favela, de Mike Davis (tradução de Beatriz Medina, pósfácio de Ermínia Maricato), Boitempo Editoral, 2006. O título do livro fala por si.

Seguem três passagens do capítulo “Desajustando” o Terceiro Mundo: o big bang da pobreza urbana.

“Em agosto de 1982, quando o México ameaçou deixar de pagar as parcelas da dívida, tanto o FMI quanto o Banco Mundial, em sincronia com os maiores bancos comerciais, tornaram-se instrumentos explícitos da revolução capitalista internacional promovida pelos governos Reagan, Thatcher e Kohl. O Plano Baker de 1985 (...) exigiu sem rodeios que os 15 maiores devedores do Terceiro Mundo abandonassem as estratégias de desenvolvimento conduzido pelo Estado em troca de novas facilidades para empréstimos e de continuar participando da economia mundial” [DAVIS, p. 156]. 
(..)
Segundo uma pesquisa da OIT, a pobreza urbana na América Latina cresceu extraordinários 50% somente na primeira metade da década, de 1980 a 1986. A renda média da população economicamente ativa caiu 40% na Venezuela, 30% na Argentina e 21% no Brasil e na Costa rica. No México o emprego informal quase dobrou entre 1980 e 1987, enquanto os gastos sociais caíram para metade do nível de 1980. No Peru, a década de 1980 terminou com uma “hiper-recessão” induzida pelo PAE [Plano de Ajuste Estrutural] que, em três anos, reduziu o emprego formal de 60% para 11% da força de trabalho urbana (...) [DAVIS, p. 160].
(..)
Em todo o Terceiro Mundo os choques econômicos dos anos 1980 obrigaram os indivíduos a se reagrupar em torno da soma dos recursos da família, principalmente, da capacidade de sobrevivência e da engenhosidade desesperada das mulheres. Quando as oportunidades de empregos formais dos homens desapareceram, mães, irmãs e esposas, em geral, foram obrigadas a agüentar bem mais que metade do peso do ajuste estrutural urbano. (..) Como enfatiza a geógrafa Sylvia Chant, sob os PAES as mulheres urbanas pobres tiveram de trabalhar mais, tanto dentro quanto fora de casa, para compensar os cortes nos gastos com serviços públicos e da renda masculina; ao mesmo tempo, o aumento ou a criação de tarifas cobradas dos usuários limitaram ainda mais o seu acesso à educação e à assistência médica [DAVIS, p.161].

Tendo em vista tudo isso, não me surpreende a advertência dos pesquisadores do projeto Observatório Urbano da ONU: “Em 2020 a pobreza urbana do mundo chegará a 45% ou 50% do total de moradores das cidades”. [DAVIS, p. 155].

Na dúvida, leitor, sobre as causas desse intrigante fenômeno, não hesite em  perguntar ao professor Merval Pereira, PhD, Jornal das Dez.



2011-12-08


segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A montanha mágica


Deu no El País Economía online
02-12-2011, por Lucía Abellán
El parón económico en 2011 lleva a un nuevo récord del paro
Montagem: Avebarna.blogspot.com.br
Imagem original: El País
El paro despide los últimos días de Gobierno socialista con un nuevo récord. El registro de los servicios públicos de empleo contabilizó 59.536 desempleados más en noviembre, lo que eleva este colectivo a un máximo de 4,4 millones de personas tras cerrar su cuarto mes consecutivo al alza. La cifra, comunicada esta mañana por el Ministerio de Trabajo, duplica con creces la registrada el año pasado y casi coincide con la de noviembre de 2009, cuando se vivía lo que entonces parecía el momento más duro de la crisis. En la serie histórica solo el dato de 2008 empeora los de 2009 y 2011.
2011-12-05

sábado, 3 de dezembro de 2011

The day the world changed


Deu no The Guardian 
01-12-2011, por Jill Teanor
https://www.theguardian.com/business/2011/dec/01/credit-crunch-pinpointed-august-2007

Credit crunch pinpointed to 9 August 2007 – the day the world changed

The beginnings of the global debt crisis were first signalled by former Northern Rock chief executive Adam Applegarth

The former boss of Northern Rock, Adam Applegarth, pinpointed the start of the first credit crunch as 9 August 2007. It was the "day the world changed," he said.

The European Central Bank and the US Federal Reserve injected $90bn (£45bn) into jittery financial markets that day, but it was still not enough to stop banks being frozen out of the markets they relied on for funding.

Downing Street has now declared that "we are experiencing a credit crunch," while the governor of the Bank of England, Sir Mervyn King, reckons the eurozone is already in one. (..)

The reference to a "crunch" is the refusal of banks to lend to each other and it worries policymakers as it risks stymying economic growth by restricting credit to business and individuals. Barely a year after Applegarth signalled the start of the credit crunch, Lehman Brothers collapsed, unleashing mayhem in the market and a series of bank bailouts. (Continua)

2011-12-03

sábado, 26 de novembro de 2011

Roda gira gira roda

Deu no Al Jazeera English
14-02-2011, por Al Jazeera
Timeline: Egypt's revolution
A chronicle of the revolution that ended the three-decade-long presidency of Hosni Mubarak

Praça Tahir, Cairo
Uma das maiores virtudes da revolução democrática pan-árabe tem sido, paradoxalmente, embaralhar todas as cartas da sociologia e da política, prisioneiras até hoje do marco geopolítico da Guerra Fria.

O movimento das multidões norte-africanas não se ajusta aos gabaritos ideológicos dominantes na segunda metade do século XX, tampouco respondem às cabalas com que os EUA tentam exorcizar as lutas democráticas e nacionais do século XXI, o “eixo do mal” e o “terrorismo”: ele se expressa de maneira igualmente impetuosa e radical contra os califados autocráticos sustentados pelas potências da OTAN e contra os califados burocráticos apoiados pela antiga URSS.

Não é provável que vá muito longe, pela simples razão de que, em nossa época, se revoluções podem ser desencadeadas com fragmentos de programa democrático de alcance nacional, em nenhuma hipótese poderão ser concluídas sem um claro programa socialista de alcance mundial, patrocinado pelo trabalhadorado reconstituído como classe habilitada a extinguir a sociedade de classes.

Em todo caso, a Primavera Árabe significa que a roda do movimento histórico à propriedade e controle social dos meios de produção e distribuição planetários, engripada pela ferrugem da burocracia contrarrevolucionária de Moscou, dita comunista, voltou a girar.

2011-11-26

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O vazamento da Chevron e os royalties do petróleo


O vazamento da Chevron
Uma das piores conseqüências do vazamento de petróleo na Bacia de Campos é dar (literalmente) combustível à idéia de que a riqueza resultante da exploração do petróleo no Brasil não pertence à nação, mas aos Estados (ditos) produtores; ou de que a riqueza é da nação, mas de algumas “nações estaduais” mais que de outras.

Sei perfeitamente que muitas pessoas ao alcance deste blog compartilham essa idéia ou se deixam, de alguma forma, influenciar por ela. Eu os convido a refletir sobre o que podemos entender por nação, riqueza nacional, democracia e seu significado prático, histórico e presente. 

No bloco de cima do IDH brasileiro (2005) estão o DF e os estados de Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul (0,874-0,802, equivalentes a países como Hungria, México e Rússia). No de baixo estão, até hoje, Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Maranhão e Alagoas – ou seja, Nordeste - (0,742-0,677, equivalentes a países como Jamaica, Egito, Gabão e África do Sul).

O PIB per Capita (2009) torna mais evidente a disparidade do desenvolvimento nacional: à parte o Distrito Federal (50.438), que se poderia considerar atípico, São Paulo (26.202) e Rio de Janeiro (22.102) lideram o ranking, com o Espírito Santo (19.145) em 6º, e  Maranhão (6.259) e Piauí (6.051) no fim da fila. O PIB per capita do Nordeste ainda é pouco mais de 1/3 do Sudeste. 


A distribuição dos royalties do petróleo não fará milagres num país ainda essencialmente dominado por uma oligarquia financeira e baronatos regionais (que parcela dos royalties do Maranhão, por exemplo, você acha que iria parar no patrimônio da família Sarney?), mas sem ela não poderemos avançar seriamente na via da redução das desigualdades regionais, que dirá da eliminação da miséria absoluta propugnada pelo governo federal.

Saltando por cima das  estatísticas e da governança, o que diríamos nós, fluminenses, sobre a repartição dos royalties do aquífero matogrossense num hipotético futuro movido a energia solar de custo próximo a zero, em que a maior  riqueza nacional fossem as nossas águas subterrâneas?  

E se pudéssemos voltar no tempo, o que decidiria a Constituinte de 1988 sobre a distribuição dos royalties do petróleo? Que posição teriam, àquela altura, os deputados constituintes do PT? 

O que decidiriam, por outro lado (vale refletir), sobre uma questão similar, as Assembléias Constituintes soberanas e democráticas porventura convocadas nos países altamente desiguais do mundo árabe hoje em luta contra suas tiranias nacionais - sócias, de uma ou outra forma, das grandes potências sedentas de petróleo barato? Acaso a riqueza do petróleo líbio deve pertencer, majoritariamente, às províncias petrolíferas litorâneas em detrimento das grandes unidades do extremo sul saariano ricas em... areia? Como é possível sustentar a unidade do país  sobre a base de uma tal definição de riqueza nacional? 

Infelizmente, o meu partido, o PT, não vem ajudando nessa discussão porque sua direção parece mais preocupada com as combinações eleitorais estaduais do que com a responsabilidade de explicar ao país como é que a questão da distribuição dos royalties se apresenta ao partido político da classe trabalhadora. 

A julgar pelo que se pode apurar na imprensa e no site do PT, a presidenta e alguns ministros e parlamentares são - afortunadamente - a favor da redistribuição, mas a direção partidária se faz de morta – como se a questão fosse absolutamente secundária. Nesse ambiente, os parlamentares petistas e diretórios estaduais se sentem inteiramente à vontade para colocar seus interesses eleitorais imediatos acima dos interesses dos trabalhadores e da nação: no Rio, saem às ruas com bandeiras do partido a gritar “contra a covardia”; no Piauí, vão à praça pública bradar pela tese contrária, que poderia estar baseada na mesma palavra-de-ordem. Parece democracia, mas eu penso que é rédea solta ao oportunismo. 

À parte os problemas de prevenção, controle e punição dos responsáveis pela catástrofe ambiental - que me parecem ter sido corretamente identificados pelo secretário Carlos Minc - o vazamento da Chevron só comprova, a meu juízo, a tese de que a justa partição nacional da riqueza petrolífera tem de levar em conta (1) os riscos, custos e externalidades negativas dos Estados onde se realiza a produção, transporte e transformação do petróleo, (2) a necessidade de um fundo nacional de emergências ambientais e (3) um prazo razoavelmente elástico para a desintoxicação dos estados “orçamentariamente viciados” em royalties. 

Como eu mesmo disse num “rasante” anterior (disponível na coluna ao lado) dessa estranha e gigantesca ave avistada, certa época, nos céus de Barcelona, eu aposto o meu HD que, se devidamente informados e democraticamente consultados, os trabalhadores brasileiros, fluminenses inclusive, bancariam esse ponto de vista perante toda a nação - e esta não votaria coisa muito diferente.

2011-11-23


segunda-feira, 21 de novembro de 2011

De volta à Praça Tahir

Praça Tahir à época da queda de Mubarak
O Globo online deste domingo 20-11-2011 informa que os egípcios, em número de 50 mil, voltaram à Praça Tahir para protestar contra "o projeto de Constituição que deixaria as Forças Armadas livres do controle civil, sem ingerência do futuro governo". 

A matéria não esclarece se essa nova onda de manifestações egípcias faz parte, como suas congêneres síria, iemenita e líbia, da "primavera árabe" ou de um imprevisto e indesejável "verão muçulmano" - em pleno inverno.

Não é demais recordar que, quando do anúncio da queda de Mubarak, o âncora do Jornal Nacional, William Bonner, decretou,  inadvertidamente talvez, mas com indisfarçável regojizo e alívio, o "desfecho da crise" egípcia.

O buraco, como se vê, era bem mais embaixo. 

2011-11-21

domingo, 13 de novembro de 2011

Trilha sonora: Valse / Olho D'Água + The Mantiqueira Range


Paulo Jobim





Valse
Paulo Jobim
(Arranjo e regência Claus Ogerman)

Olho D’Água
Paulo Jobim
Ronaldo Bastos

E já passou, não quer passar
E já choveu, não quer chegar
E me lembrou qualquer lugar
E me deixou, não sei que lá

Não quer chegar e já passou
E quer ficar e nem ligou
E me deixou qualquer lugar
Desatinou, caiu no mar

Caiu no mar, Nena
Pipo, cadê você?
Dora, cadê você?
Pablo, Lilia, cadê você?

Beira Rio
Duas Barras
Morro Velho
Ponte Nova
Maravilha
Buracada
Sumidouro
Olho-D'Água

Não quer chegar e já passou
E quer ficar e nem ligou
E me deixou qualquer lugar
Desatinou, caiu no mar

Caiu no mar, Pedro
Chico, cadê você?
Lilo, cadê você?
Zilu, Zeca, cadê você?

Vista Alegre
Cruz das Almas
Maroleiro
Asa Branca
Bom Sossego
Santo Amaro
Poço Fundo
Montes Claros
Cachoeira
Mambucaba
Porto Novo
Água Fria
Andorinha
Guanabara
Sumidouro
Olho-D'Água



quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sobre a economia do futebol

Em 1975, quando o Fluminense contratou Roberto Rivelino, o meu pai pontificou: “Que absurdo, um jogador de futebol valer essa fortuna!" Algo me dizia que ele estava errado.

Em 1995, quando a “economia de serviços” era o tema da moda, eu disse a um incrédulo colega consultor em planejamento, num momento de inspiração, que “o Brasil exportar laranjas e importar suco embalado é quase a mesma coisa que exportar jogadores e importar futebol pela TV”.

Em 2006, quando meu professor preferido de economia urbana me revelou seu interesse em estudar bens que, como a terra, tivessem “preço de monopólio”, eu sapequei: “jogador de futebol”.

Aí, quando em 2008 o estouro da bolha pôs a nu o papel da indústria imobiliária no desenvolvimento capitalista contemporâneo, eu me dei conta de que não é coincidência o fato de traficantes e especuladores investirem em mega-projetos imobiliários e xeiques árabes e novos-ricos russos em times de futebol.

É por isso que, em 2011, quando ouço comentários ufanistas do tipo ‘o Brasil vai virar potência’, meu primeiro reflexo é pensar: ‘Certo: quando o Cartel de Medellín comprar a AFA e a N'drangueta a CBF e o Messi e o Rooney vierem jogar no Corínthias, o Ibrahimovich e o Nasri no Flamengo, o Cristiano Ronaldo no meu Fluminense, o Xavi no Cruzeiro, o Ribery no Boca Juniors, o Ozil e o Iniesta no River Plate, o Sneider no Peñarol, o Drogba na LDU, o Thiago Silva vier para o Santos fazer tripla com Neymar e Ganso e a Rede Globo vender a Libertadores para a Europa, Ásia e EUA pelo preço mais alto do mercado esportivo mundial!


2011-11-02


terça-feira, 1 de novembro de 2011

O enigma da meia-entrada

Em si mesma, a discussão da meia-entrada na Copa do Mundo me parece uma tolice sem sentido. No marco da política geral do governo brasileiro para a realização da Copa do Mundo, porém, ela se parece mais, infelizmente, com poeira nos olhos do público.

O mínimo que se poderia esperar de um contrato com a entidade privada dona dos direitos da Copa do Mundo é que esta exigisse o controle total da receita de ingressos. Se há uma única coisa compreensível, senão razoável, no acordo com a FIFA é que os ingressos sejam vendidos pelo preço fixado pela entidade.

É evidente, nesse caso, que, se o governo brasileiro quisesse respeitar a lei da meia-entrada bastaria subsidiá-la na cota de ingressos destinados ao público doméstico. Se a Copa do Mundo fosse um empreendimento verdadeiramente privado acolhido com interesse pelo Estado brasileiro, o subsídio à meia-entrada seria um custo público efetivamente desprezível, amplamente compensado pelas externalidades positivas do empreendimento.

Ocorre, porém, que, como eu mesmo já disse em outro lugar, a Copa do Mundo não é um empreendimento privado, mas uma gigantesca operação estatal de ajuda aos donos do negócio do futebol e seus fornecedores, construtoras e hoteleiros, mediante fabulosos investimentos públicos a fundo perdido e polpudas isenções fiscais. Para a FIFA, trata-se de produzir seu espetáculo a custos de mão-de-obra, infraestrutura, equipamentos e serviços de Terceiro Mundo para vendê-los na Europa, Ásia e EUA a preços de Primeiro.

Nessas circunstâncias, o governo me parece acertar tarde demais. Enquanto os grandes espertalhões do negócio futebolístico usufruem os generosos subsídios já concedidos e o governo (se liga, PT!) os pontos conquistados na parada do prestígio internacional, os jovens e idosos interessados em assistir às partidas da Copa nos novos estádios brasileiros classe FIFA correm o risco de ficar sem o seu direito à meia-entrada.


2011-11-01

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Ler ou não ler Fukuyama chega a ser uma questão?

Decidido a colocar um pouco de método em minhas leituras para tentar enxergar algum rastro da estranha e gigantesca ave que avultou, a certa altura, no céu de Barcelona, começo a encarar The End of History and the Last Man, de Francis Fukuyama.

Afinal, trata-se do livro que marcou, ainda em 1992, a primeira e até hoje mais conhecida tomada de posição teórica do liberalismo em face do desmoronamento da União Soviética. A edição 2006 da Free Press – um nome muito a propósito – é uma brochura de 400 páginas em letra miúda. Respiro fundo e começo. 

Eis que, ainda no prefácio, depois de definir o “desejo de reconhecimento como motor da história” – proposição que me deixou ao mesmo tempo espantado e curioso – Fukuyama nos apresenta a seguinte construção: 
“A luta pelo reconhecimento nos dá uma idéia da natureza da política internacional. O mesmo desejo de reconhecimento que originalmente levou dois indivíduos beligerantes a uma sangrenta batalha de prestígio conduz logicamente ao imperialismo e ao império mundial. A relação senhor-vassalo a nível doméstico é naturalmente reproduzida a nível dos Estados, onde países em busca de reconhecimento se engajam em sangrentas batalhas pela supremacia.” 

Esta passagem me trouxe imediatamente à lembrança certa crítica que havia lido em tempos (muito) passados. Na primeira oportunidade fui à prateleira dos quase esquecidos, peguei o livro e, depois de alguma pesquisa, achei o que procurava. Estava lá, tão rigorosamente aplicável quanto eu havia imaginado. Ao leitor ludicamente motivado deixo a missão de descobrir o autor dessas linhas e o alvo da sua diatribe. Foi escrito em 1878 – mas poderia ter sido em 1992.

“O sr. [X] analisa a sociedade em seus elementos mais simples e descobre que a mesma, reduzida em sua expressão mais simples, é formada por dois homens. (...) Existe algum problema de economia, política, etc. para resolver? Pois imediatamente se põem em campo os nossos dois homens e resolvem a coisa “axiomaticamente”, de um só golpe. (...) É pena que o respeito à verdade nos obrigue a dizer que a descoberta não é precisamente sua! Esses dois homens de encomenda são patrimônio de todos o século XVIII. Já os conhecemos em 1754 no “Discurso sobre as desigualdades dos homens de J. J. Rousseau (...). Tornamos a nos encontrar com eles, desempenhando um papel de relevo, na economia política desde Adam Smith até Ricardo (...). Mas o século XVIII se utiliza, de um modo quase exclusivo, desses personagens, a título de ilustração e exemplo; a originalidade do sr. [X] consiste em tomar este método puramente ilustrativo como método fundamental aplicável a toda a ciência da sociedade e como critério para o estudo de todas as manifestações históricas.” 

Até aqui, diria o nosso rigoroso crítico, trata-se de má filosofia. Mais adiante, porém, no mesmo prefácio, Fukuyama nos apresenta a sua visão de ciência empírica aplicada ao fenômeno da guerra imperialista:

"Um mundo constituído de democracias liberais deveria, pois, ter muito menos incentivo para a guerra dado que todos os países se reconheceriam como reciprocamente legítimos. De fato, substanciais evidências empíricas [itálico meu] dos últimos dois séculos mostram que as democracias liberais não se comportam de maneira imperialista umas em relação às outras, ainda que sejam perfeitamente capazes de ir à guerra contra Estados que não são democracias e não compartem seus valores fundamentais."

Esta maravilha da razão dedutiva, que para o autor é, provavelmente, puro produto da indução   ("substanciais evidências empíricas mostram que") pode ser expressa por meio do seguinte silogismo:

1 Países imperialistas fazem guerra contra outros países
2 As democracias liberais não se guerrearam nos últimos dois séculos
3 Logo, as democracias liberais não são imperialistas umas em relação às outras.

A restrição assinalada em itálico dá conta do que se me afigura um canhestro álibi com que o autor tenta não dar margem a que o acusem de afirmar que democracias liberais não são, por definição, imperialistas. 

Fukuyama diz que os países liberais não são imperialistas “entre si” para preparar o leitor para a sua originalíssima tese de que eles são, porém, "perfeitamente capazes de ir à guerra contra Estados que não são democracias e não compartem seus valores fundamentais." Pode-se inferir, pois, que, para Fukuyama, a ação das democracias liberais na África, Ásia, Oriente Médio e América do Sul é, de fato, “comportamento imperialista”, mas... não conta como tal. Por quê? 

Porque as nações subjugadas não eram democracias liberais. 

Qualquer semelhança com a ideia da justeza intrínseca de sua "missão civilizacional" com que os britânicos sempre justificaram a barbárie colonialista da velha Albion na Ásia e África não é mera coincidência. É imperialismo requentado. 

Além disso, nos sugere o professor, as guerras mundiais do século XX não tiveram nada a ver com “comportamento imperialista” porque não opuseram umas contra as outras as [nações mais tarde identificadas como] democracias liberais. (Cabe lembrar aqui que a Alemanha foi, de fato, uma democracia liberal entre a derrota do levante operário que forçou o fim da I Guerra Mundial e a ascensão de Hitler – pelos caminhos da democracia liberal, aliás, o que talvez se explique pelo fato de os alemães não serem, afinal, tão fanáticos pelo liberalismo quanto deveriam). 

Para Fukuyama parece inteiramente irrelevante que, nessas guerras, de um lado estivessem as democracias liberais - a começar da campeã do pacifismo internacional, a Grã-Bretanha - detentoras do controle absoluto de quase todas as economias periféricas do planeta, na época chamadas de “colônias” e, do outro, as potências capitalistas retardatárias, convertidas em repúblicas fascistas sequiosas por obter a sua parte no butim africano e asiático, principalmente. A posição das democracias liberais seria intrinsecamente justa porque as economias dominadas não eram democracias liberais, mas reinos ou repúblicas despóticas, e a das potências fascistas intrinsecamente injusta por estarem situadas no mesmo plano moral – não liberal-democrático – das tiranias periféricas. 

E assim vamos, andando sempre em círculos. 

Com a circunspecção acadêmica de quem acredita estar apenas repisando noções há muito assentadas – a que não falta a inestimável legitimação antecipada da própria ciência comunista oficial – este paladino do liberalismo assim introduz, sem nem precisar mencioná-la, a confortante versão de que a carnificina imperialista mundial de 1939-45 foi uma guerra das democracias liberais contra o fascismo. “Disgusting!”, digo eu, à maneira do nosso Francis. 

Ao terminar o prefácio, já arrastando os tamancos, eu me perguntei: com o devido respeito ao autor e à minha disciplina de leituras, vale a pena perder meu precioso tempo com 400 páginas deste provável pântano de pura ideologia "liberal"? 

O livro está lá, na fila de espera. Ainda pretendo lê-lo, página a página, estoicamente. Mas não antes de me entender com essa entidade verdadeiramente orwelliana que assola os nossos meios de comunicação e agride a nossa inteligência – a “comunidade internacional”. O fim da história fica para depois.

2011-10-26

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Desinformando Khadafi



Na manhã seguinte à morte de Khadafi, a primeira meia página de O Globo estampava, em letras garrafais: “O Fim Violento de um Ditador”.

Eu fiquei imaginando quantas horas-homem de jornalistas da editoria terão sido gastas para imaginar manchete tão perfeitamente confortante e ambígua. Não vi ninguém parado na banca querendo saber das circunstâncias. Que importa? Se a Casa Branca, a OTAN e a TV Globo – ou seja, toda a “comunidade internacional” – garantem que o sujeito era um ditador sanguinário e por isso merecia morrer, que diferença faz quem o matou, como matou e por que matou?

Que importa se o regime da dita primavera líbia não fez a menor questão de capturá-lo vivo para ser pública e transparentemente julgado por seus crimes?

A nossa presidenta Dilma Rousseff, num saudável reflexo, disse: “Não se comemora a morte de qualquer líder”, querendo obviamente dizer “Não se comemora a morte de um chefe de Estado, seja de que Estado for”. Diplomaticamente perfeito. Só me pergunto se ela, que conheceu na carne os porões da ditadura, não tinha em mente, mais do que a máscara torturada de Khadafi, o espectro distante, mas ainda assustador, de Allende.

2011-10-25


segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Areia [ainda] não paga royalties


Confesso a minha perplexidade com a discussão sobre a distribuição dos royalties do petróleo.

É claro que os estados e municípios afetados pela produção têm custos, riscos e externalidades negativas (a periferia de Macaé, por exemplo), e por isso fazem jus a uma participação diferenciada. De resto, a riqueza do petróleo é da nação e deve, tanto quanto a representação democrática, ser distribuída proporcionalmente. E se os Estados ditos produtores ficaram mal-acostumados com o incompreensível privilégio - pois que ganhem um tempo para se adaptar.

Tudo mais são, para mim, variantes do pior tipo de nacionalismo - o de província: se o Piauí não tem petróleo, que arranje um jeito de vender areia!

Se o PT fizesse uma pesquisa honesta sobre o tema nas fábricas e empresas de todo o Brasil, eu duvido que a maioria dos trabalhadores, inclusive os do Rio de Janeiro, revelasse um ponto de vista substancialmente diferente.

2011-10-24

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A revolução democrática pan-árabe e o assassinato de Khadafi


Se o movimento das multidões líbias - parte integrante da revolução democrática pan-árabe iniciada na Tunísia e cujo ponto mais alto até aqui foi o Egito de Mubarak - tivesse desembocado numa revolução radicalmente democrática como, digamos, a Francesa, que investigasse devidamente os negócios de Khadafi, sua família e seus sicários com os líderes e serviços secretos das potências imperialistas e respectivas empresas petroleiras, o califado burocrático do ex-líder nacionalista teria possivelmente terminado com a sua condenação à morte... por traição à memória histórica da revolução nacional pan-árabe, em cujo panteão figuram personagens ilustres como Mossadegh, do Irã, Nasser, do Egito e... Khadafi, da Líbia! 

Ocorre, porém, que Khadafi foi executado por instigação da propaganda dos Estados Unidos e aliados europeus e provável ordem direta dessa organização de origem e composição desconhecidas chamada Conselho Nacional de Transição, reconhecida com indisfarçável sofreguidão e interesse pelos governos da França e Itália logo nos primeiros dias de transformação das manifestações de rua em conflito armado. 

O motivo? É o que explica, por incrível que pareça, O Globo online deste 21-10-2011: 

Qualquer tribunal poderia dar a Khadafi uma nova oportunidade de constranger tanto os novos líderes da Líbia quanto as potências internacionais e lembrar questões que todos preferem deixar esquecidas. Além disso, ele poderia relembrar laços com importantes companhias de petróleo que na última década assinaram contratos bilionários com o regime. (“Morte de Khadafi evita julgamento longo que poderia dividir a Líbia e constranger líderes ocidentais”. O Globo Online, 21-10-2011)

A matéria d'O Globo Online é uma confissão aberta do caráter absolutamente antidemocrático e pró-imperialista - numa palavra, reacionário - da intervenção da OTAN na Líbia em comum acordo com o CNT - a nova liderança líbia assumida a priori pela "comunidade internacional" como legítima encarnação e representação do que ela chama de "primavera árabe".

(Continua)



2011-10-21

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Made in Periphery

Imagem: Internet
autoria não identificada
Num outlet Lacoste de Buenos Aires, a etiqueta de uma camisa pólo dizia: Designed in FranceMade in Peru. Preço: 260 pesos (130 reais). 

Três vivas à Lacoste, que dá emprego ao trabalhador peruano e põe o Peru no mapa do mundo! 

A Nike produz tênis na Tailândia por, sei lá, 5 dólares e os vende em Paris e Nova York por 150. 

Três vivas à Nike, que dá emprego ao trabalhador tailandês e põe a Tailândia no mapa do mundo!

A FIFA produz Copas do Mundo na África do Sul, Brasil, Rússia e Catar, por X bilhões de dólares, a maior parte doada pelos respectivos Estados nacionais, para vender ao mundo inteiro por X*Y bilhões, sendo Y>1. Li recentemente em algum jornal que ela espera um lucro de 3 bilhões. 

Três vivas à FIFA, que dá emprego aos trabalhadores sul-africanos, brasileiros, russos e... cátaros (!) e põe a África do Sul, o Brasil, a Rússia e o Catar no mapa do mundo! 

2011-10-20

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Internacional democrática


Deu no Wikinoticias
16-10-2011, por Wikinoticias

Indignados protestan en mil ciudades a nível mundial 


Miles de indignados se movilizaron en mil ciudades en 71 países, este 15 de octubre bajo la convocatoria "World Revolution 15.0". En algunos casos se reportaron choques entre manifestantes y fuerzas del orden, resultando varios heridos y daños materiales.
Wikinoticias recopila los hechos ocurridos este 15 de octubre en la manifestación convocada por el "Movimiento Democracia Real Ya". (Continua)
 
2011-10-17

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Decifra-me ou te devoro, Primavera


Deu no Al Jazeera online
12-10-2011, por Al Jazeera

Thousands rally in support of Syria's Assad
Tens of thousands take to streets of Damascus in solidarity with Syrian president, chanting slogans against US and EU
Tens of thousands of Syrians have rallied in central Damascus in show of support for President Bashar al-Assad, who is battling a six-month uprising against his rule in which the UN says about 2,900 people have been killed.
"America, out, out, Syria will stay free," chanted the crowd on Wednesday, many of them carrying pictures of Assad and Syrian flags.
They also shouted slogans warning the European Union not to intervene in their country. "God, Syria and Bashar," they sang.
State television described the government-backed rally as a "million-strong march ... supporting national independence and rejecting foreign intervention".
At the start of the demonstration, a man holding the flags of Russia and China, which vetoed a European-drafted resolution against Syria at the UN last week, flew over the crowd, suspended from a helicopter by rope.
It was the biggest demonstration for months in the centre of the capital, which has been relatively untouched by the protests which have rocked Damascus suburbs and other parts of the country.
Speaking to Al Jazeera, Nir Rosen, journalist and author, said: "We might not like to think that but authoritarian regimes sometimes have popular support.
"In the whole of the Arab countries, certainly the Syrian regime has the largest base of popular support and much of the country still supports him [Assad].
"Not only Alawite and the Christian community, but even Sunni Bourgeoisie in Damascus and Aleppo support President Assad."
"They may be afraid of the unknown, or the civil war, or they may genuinely believe that Assad has done good stuff for the country.
"The regime is kind of a marriage between Alawite-dominated security forces and the Sunni business class.
"See the Iraq scenario, Christians of Iraq were destroyed, they came to Syria in large numbers. So, Christians fear what may happen to them?
"The opposition has failed to reach out successfully to Alawites, Christians and Druze. Many of them believe there will be civil war should the regime fall, and I think it is quite likely."

2011-10-13


domingo, 9 de outubro de 2011

Copa e Olimpíada: política anticíclica, de desenvolvimento ou de prestígio?


A chamada para um artigo publicado no IG Economia em 28/09, assinado por Ilton Caldeira, sobre as conclusões do debate “Macroeconomia Global: O Brasil da Copa e das Olimpíadas”, diz: “Copa e Olimpíada viram receita anticrise”. Reflexo das iniciativas da presidenta para colocar rédeas nos gastos da Copa e enquadrar a FIFA?

Nos Estados Unidos, a classe empresarial e financeira voltou a ser resolutamente a favor do equilíbrio das contas públicas depois que o governo abriu a torneira do Tesouro – a fundo perdido – para salvar bancos e financeiras da bancarrota por eles mesmos organizada, episódio que, reitero, foi descrito pelo insuspeito Joseph Stiglitz como “O grande roubo americano”. 

O patronato brasileiro não é diferente. Ele também não perde ocasião de se manifestar enfaticamente favorável à contenção de gastos públicos depois que os três níveis de governo tenham aberto as torneiras de seus respectivos Tesouros para bancar os estádios e os equipamentos e sistemas complementares requeridos pela FIFA e o COI, além da hotelaria privada, aeroportos, transportes urbanos etc, quer seja pela via dos juros subsidiados, da doação de terrenos, das isenções fiscais ou, finalmente, do aporte direto. Para ser exato, não é tanto uma questão de antes e depois quanto de foco seletivo: o patronato é a favor da contenção dos gastos públicos sempre que estes não o beneficiem direta e imediatamente. 

O interessante é que, se há um país onde o investimento em estádios de futebol não tem porque dar prejuízo, é o Brasil. Dada a paixão brasileira pelo futebol, um programa governamental de reforma, ampliação e até construção de novos estádios de futebol poderia ser, sim, um componente relevante da política dita “anticíclica”. Mas não precisa ser analista de projetos para saber que a construção de estádios “padrão FIFA” em Manaus, Natal, Campo Grande e Brasília só pode ser feita pelo Estado e implica ou bem criar um ônus eterno sobre o erário público ou bem jogar todo o investimento na lata do lixo em cinco anos, caso em que o único efeito benéfico do gasto público terá sido o de curtíssimo prazo – o emprego. A conta final dá negativa. 

Em compensação, ali onde muito provavelmente a construção de um novo estádio é lucro garantido – o caso do Corínthians – o BNDES empresta a metade do custo a juros subsidiados e a prefeitura entra com o terreno e um “engenhoso” pacote de incentivos fiscais – a pretexto da urgência, como toda a torcida do Flamengo já sabia – que cobre quase todo o resto. Conta pesadamente negativa.


No Rio, três anos depois da reforma do Maracanã e da construção do Engenhão para os Jogos Panamericanos, chega-se à conclusão de que nem um nem outro se prestam à Copa do Mundo. O Engenhão é alugado ao Botafogo por uma ninharia e o Maracanã virtualmente demolido para se fazer outro em seu lugar. Conta final negativa, uma vez mais. 

Desse jeito, vamos à Grécia! 

A querela em torno da Lei da Copa tem em seu centro os direitos que a FIFA reclama de livre exploração do negócio que lhe pertence – a essência da economia de mercado. Ocorre que a Copa do Mundo tem muito pouco a ver com economia de mercado: é uma gigantesca operação estatal não escrita, não planejada, não delimitada e, principalmente, não contabilizada de isenções e investimentos públicos federais, estaduais e municipais em benefício, principalmente, dos proprietários internacionais e nacionais do negócio do futebol, de suas marcas, empreiteiras, construtoras, hotéis etc. Aos capitalistas, as internalidades; aos trabalhadores, as externalidades: emprego agora, diversão em seguida e, depois, apertar os cintos para pagar as dívidas. 

O mais preocupante é que, desde a candidatura e a hierática cerimônia de “escolha” da sede da Copa de 2014 (a platéia era tão hirta e ensaiada que mais parecia um pleno do CC do extinto PCUS), tudo isso tem o aspecto de uma barganha entre a indústria mais popular do mundo – tão popular que o mundo mal se lembra tratar-se de uma indústria – e um governo de coalizão de todas as classes cada vez mais ávido de prestígio internacional. Tem razão Juca Kfouri ao lembrar que o ex-presidente Lula não levou à FIFA a proposta da candidatura brasileira sem conhecer os termos do negócio. 

O fato de Lula ser um líder sumamente inteligente e empenhado em criar políticas sociais para o Brasil não desobriga o governo de prestar contas ao país nem o PT de colocar em discussão o financiamento dos grandes eventos planetários. Mas é inútil procurar no site do partido um verdadeiro e saudável debate  militante sobre a política de apoio governamental à Copa do Mundo e às Olimpíadas. Por quê? 

Voltando ao início, o fato de que nem uma única voz de peso no mundo empresarial brasileiro tenha se erguido para conclamar o Estado em geral, e os governos em particular, a serem parcimoniosos, responsáveis, transparentes e – por que não? – eficientes nos gastos públicos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas só vem confirmar que a nossa classe dominante não apenas é um zero à esquerda como liderança histórica como, a bem da verdade, não parece nem um pouco preocupada com a nação. “Farinha pouca, meu pirão primeiro”  - é a palavra de ordem - ainda que servido por um governo que ela odeia, por suas origens bastardas, quase tanto quanto despreza os trabalhadores e pobres em geral. 

Se liga, PT!





2011-10-09