sexta-feira, 13 de maio de 2011

O salvamento de Wall Street e a eleição de Obama

Decidi, caro leitor, utilizar como "segunda postagem inaugural" deste blog dois pequenos artigos que escrevi por ocasião da quebra de Wall Street e da eleição de Barack Obama à presidência dos EUA, em novembro de 2008. Razões e, sobretudo, impressões, que pretendo destilar, gota a gota - mas com um espírito muito menos circunspecto! - nas postagens subseqüentes deste blog, me levam a crer que esses são acontecimentos capitais da história que as atuais gerações estão fazendo.




Qual Obama governará?
(06-11-2008)

Como todo cidadão dotado de algum apreço pela vida e pelas pessoas, torci e me alegrei pela vitória de Obama. E me emocionei com o espetáculo de alegria coletiva exibido nas ruas das grandes cidades norte-americanas. Mas a razão recomenda prudência, muita prudência. Não só porque as eleições presidenciais e parlamentares norte-americanas são, esmagadoramente, um território “fechado”, exclusivo do duopólio dos partidos da classe dominante e da grande imprensa, mas também porque Obama começou a campanha reivindicando Ronald Reagan e a concluiu cavalgando um sentimento popular que vai muito além do que sua carreira política e seus propósitos expressos justificam.

É possível que, como todos nós, Obama tenha aprendido algumas lições com o desenrolar da crise do mercado financeiro nas últimas semanas de campanha; pode ser que, influenciado pelos liberais do tipo Krugman, desista sinceramente de se espelhar em Reagan e o substitua em seu panteão particular por algum reformista de respeito; quem sabe influenciado pelas expectativas depositadas por legiões de eleitores da América trabalhadora, Obama descubra horizontes mais amplos que o de Harvard; quem sabe venha a incorporar positivamente a impressionante expectativa despertada nos mais obscuros rincões do planeta por seu DNA, muito mais verdadeiramente globalizado do que a economia assim dita.

O Obama que terminou a campanha não é o mesmo que a iniciou. A falência do sistema financeiro e a conseqüente humilhação da clique de déspotas e canalhas que comandou as instituições norte-americanas nos últimos dez anos de certa forma o levaram a assumir um papel que lhe foi imposto pelas circunstâncias e pela maioria do povo norte-americano: o de agente da “mudança”.

Esta palavra contém um mundo inteiro e mais alguma coisa: da regulação do mercado financeiro à suspensão do embargo contra Cuba; de uma política de pleno emprego à assinatura do Protocolo de Kioto; da instituição da saúde pública universal nos Estados Unidos ao fim de Guantânamo; da instituição de um grande programa de obras públicas Unidos ao reconhecimento do direito da Palestina à soberania nacional; do respeito aos direitos dos imigrantes pobres à retirada do Iraque e do Afeganistão; da punição dos desmandos da clique de Bush ao perdão da dívida externa dos países africanos; e assim por diante. 

Mas a montagem do futuro governo já começa a mostrar que o buraco é mais embaixo. A caminhada dos Estados Unidos rumo à democratização de suas políticas e instituições será tortuosa. E inevitavelmente dolorosa.


Socialização dos prejuízos à vista de todos
(01-11-2008)

O controle social da monumental operação de socorro às instituições afetadas pela falência do sistema financeiro mundial – objeto de preocupação em alguns editoriais do NYTimes, por exemplo – parece que vai dar em pizza. Em nome do interesse geral e com base na máxima cínica de que "os grandes bancos são importantes demais para falir", o que se desenha no horizonte é a legitimação definitiva da associação simbiótica de recursos públicos e privados em benefício destes últimos, em escala inédita e à vista de todos.

Abaixo seguem duas sintomáticas manifestações da leniência com que o tema da aplicação, pelos bancos, dos recursos proporcionados pelos governos para conter a crise é tratado nas altas esferas.

Matéria de Ellen E. Schultz, do Wall Street Journal, publicada em Valor Econômico de 31 de outubro de 2008 sob o título "Bancos dos EUA devem bilhões a executivos", diz que "os gigantes financeiros americanos que estão recebendo injeção de dinheiro público devem a seus executivos mais de US$40 bilhões por salários e pensões de anos anteriores, ainda que o governo esteja tentando restringir a remuneração futura dessas firmas (...). Mais adiante, a matéria diz: "O governo está impondo algumas restrições a como as firmas pagam aos executivos no futuro. Mas elas não afetam o que os bancos já devem nem tornam as dívidas mais transparentes". 

Alguns op-eds do NYTimes vêm falando no assunto (por exemplo, o uso dos recursos do pacote de resgate para comprar outros bancos, e não para restaurar o crédito), mas sem muita convicção, como se o fato de boa parte desse dinheiro ser usada para outros fins que não o interesse público fosse próximo do inevitável. A própria matéria não parece muito interessada em esclarecer à questão – crucial, no caso - de se o dinheiro do contribuinte norte-americano será usado, antes de tudo, para cobrir as dívidas dos bancos com seus executivos milionários.

No Brasil, na mesma edição de Valor Econômico, somos informados por meio de artigo de Claudia Safatle e Alex Ribeiro que a tão alardeada autorização para que os bancos sacassem 70% dos compulsórios para comprar carteiras de crédito de bancos pequeno e médios em dificuldades havia dado em nada porque "como o cumpulsório era 100% remunerado [pela Selic], os bancos preferiram deixar os recursos parados no BC (...) a correr riscos na compra das carteiras". Justiça seja feita, por essa razão, o BC acaba de decidir que 10,5% dos recursos captados em depósitos a prazo sejam recolhidos ao BC sem nenhuma remuneração. Menos mal.

Pergunta-se: como pode a vida cotidiana de 6 bilhões de terráqueos estar sujeita ao resultado da ação egoísta (tecnicamente falando) de meia dúzia de indivíduos proprietários de todos os meios de crédito disponíveis no mundo? Quem pode acreditar seriamente que essa ação egoísta (tecnicamente falando) garante a “alocação mais eficiente dos meios de crédito disponíveis na economia mundial”? Ou há algo maquiavelicamente oculto por trás da palavra "eficiente" ou os economistas liberais, muito mais que as pessoas comuns, são propensos a acreditar em milagres.



2011-05-13