domingo, 9 de outubro de 2011

Copa e Olimpíada: política anticíclica, de desenvolvimento ou de prestígio?


A chamada para um artigo publicado no IG Economia em 28/09, assinado por Ilton Caldeira, sobre as conclusões do debate “Macroeconomia Global: O Brasil da Copa e das Olimpíadas”, diz: “Copa e Olimpíada viram receita anticrise”. Reflexo das iniciativas da presidenta para colocar rédeas nos gastos da Copa e enquadrar a FIFA?

Nos Estados Unidos, a classe empresarial e financeira voltou a ser resolutamente a favor do equilíbrio das contas públicas depois que o governo abriu a torneira do Tesouro – a fundo perdido – para salvar bancos e financeiras da bancarrota por eles mesmos organizada, episódio que, reitero, foi descrito pelo insuspeito Joseph Stiglitz como “O grande roubo americano”. 

O patronato brasileiro não é diferente. Ele também não perde ocasião de se manifestar enfaticamente favorável à contenção de gastos públicos depois que os três níveis de governo tenham aberto as torneiras de seus respectivos Tesouros para bancar os estádios e os equipamentos e sistemas complementares requeridos pela FIFA e o COI, além da hotelaria privada, aeroportos, transportes urbanos etc, quer seja pela via dos juros subsidiados, da doação de terrenos, das isenções fiscais ou, finalmente, do aporte direto. Para ser exato, não é tanto uma questão de antes e depois quanto de foco seletivo: o patronato é a favor da contenção dos gastos públicos sempre que estes não o beneficiem direta e imediatamente. 

O interessante é que, se há um país onde o investimento em estádios de futebol não tem porque dar prejuízo, é o Brasil. Dada a paixão brasileira pelo futebol, um programa governamental de reforma, ampliação e até construção de novos estádios de futebol poderia ser, sim, um componente relevante da política dita “anticíclica”. Mas não precisa ser analista de projetos para saber que a construção de estádios “padrão FIFA” em Manaus, Natal, Campo Grande e Brasília só pode ser feita pelo Estado e implica ou bem criar um ônus eterno sobre o erário público ou bem jogar todo o investimento na lata do lixo em cinco anos, caso em que o único efeito benéfico do gasto público terá sido o de curtíssimo prazo – o emprego. A conta final dá negativa. 

Em compensação, ali onde muito provavelmente a construção de um novo estádio é lucro garantido – o caso do Corínthians – o BNDES empresta a metade do custo a juros subsidiados e a prefeitura entra com o terreno e um “engenhoso” pacote de incentivos fiscais – a pretexto da urgência, como toda a torcida do Flamengo já sabia – que cobre quase todo o resto. Conta pesadamente negativa.


No Rio, três anos depois da reforma do Maracanã e da construção do Engenhão para os Jogos Panamericanos, chega-se à conclusão de que nem um nem outro se prestam à Copa do Mundo. O Engenhão é alugado ao Botafogo por uma ninharia e o Maracanã virtualmente demolido para se fazer outro em seu lugar. Conta final negativa, uma vez mais. 

Desse jeito, vamos à Grécia! 

A querela em torno da Lei da Copa tem em seu centro os direitos que a FIFA reclama de livre exploração do negócio que lhe pertence – a essência da economia de mercado. Ocorre que a Copa do Mundo tem muito pouco a ver com economia de mercado: é uma gigantesca operação estatal não escrita, não planejada, não delimitada e, principalmente, não contabilizada de isenções e investimentos públicos federais, estaduais e municipais em benefício, principalmente, dos proprietários internacionais e nacionais do negócio do futebol, de suas marcas, empreiteiras, construtoras, hotéis etc. Aos capitalistas, as internalidades; aos trabalhadores, as externalidades: emprego agora, diversão em seguida e, depois, apertar os cintos para pagar as dívidas. 

O mais preocupante é que, desde a candidatura e a hierática cerimônia de “escolha” da sede da Copa de 2014 (a platéia era tão hirta e ensaiada que mais parecia um pleno do CC do extinto PCUS), tudo isso tem o aspecto de uma barganha entre a indústria mais popular do mundo – tão popular que o mundo mal se lembra tratar-se de uma indústria – e um governo de coalizão de todas as classes cada vez mais ávido de prestígio internacional. Tem razão Juca Kfouri ao lembrar que o ex-presidente Lula não levou à FIFA a proposta da candidatura brasileira sem conhecer os termos do negócio. 

O fato de Lula ser um líder sumamente inteligente e empenhado em criar políticas sociais para o Brasil não desobriga o governo de prestar contas ao país nem o PT de colocar em discussão o financiamento dos grandes eventos planetários. Mas é inútil procurar no site do partido um verdadeiro e saudável debate  militante sobre a política de apoio governamental à Copa do Mundo e às Olimpíadas. Por quê? 

Voltando ao início, o fato de que nem uma única voz de peso no mundo empresarial brasileiro tenha se erguido para conclamar o Estado em geral, e os governos em particular, a serem parcimoniosos, responsáveis, transparentes e – por que não? – eficientes nos gastos públicos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas só vem confirmar que a nossa classe dominante não apenas é um zero à esquerda como liderança histórica como, a bem da verdade, não parece nem um pouco preocupada com a nação. “Farinha pouca, meu pirão primeiro”  - é a palavra de ordem - ainda que servido por um governo que ela odeia, por suas origens bastardas, quase tanto quanto despreza os trabalhadores e pobres em geral. 

Se liga, PT!





2011-10-09